Drops

O final de semana botava suas garras de fora. E ela arrumava sua bolsa vermelha para sair. Fazia tempo que não se divertia em sexta-feiras, ouso contar em segredo que fazia tempo que ela não se divertia. A mulher sempre maleável aos seus namorados vestira a camisa de "Now I'm Stronger" e foi pra um barzinho da zona sul da cidade.

Antes, arrumou sua bolsa, não podia esquecer dos drops comprados na padaria da esquina. Optou por algo cítrico. Cada sabor lembrava uma época da sua vida. Por isso achou que algo "azedinho porém gostoso" era perfeito para sensação de potência que ela estava sentindo.

A primeira vez que se deteve nos sabores ainda era novinha. Ia ficar no intervalo do colégio com um garoto mais velho (na época em que 16 anos era praticamente um pedófilo). Ele comprou chiclé que lembrava Cânfora. Talvez tenha sido o beijo ruim, mas ela demorou anos a aceitar um daqueles novamente.

Passou tempo até que ela passasse a observar a relevância dos sabores. Isso só se deu depois que começou a namorar firme. Alguém que não comia balas e tampouco mascava chicletes. Que fez ela enjoar no gosto repetitivo de pasta de dente barata. Que permitiu que o namoro caísse na rotina e por findasse!

Depois de um período sozinha, descobriu um garoto que era alucinado por bala de menta. Se tornou até apelido carinhoso. Ele teria sido um bom príncipe encantado se ela não tivesse conhecido um elemento que só comia drops da embalagem preta. E largado o "Sr. Bala de menta".

Deixou a estabilidade para viver um amor pegado, forte e intenso. Só comia drops da cor preta, eles combinavam com a essência do relacionamento. Arrepiavam, enxiam os olhos de lágrima. Essa paixão instintiva durou mais de um ano, até que repentina como começou, deixou de existir...

Não era a primeira vez que ela sofria um amor ferido, mas a falta do drops preto estava dolorida demais para suportar. Uma amiga a arrastou para a festa e lá alguém curou seu coração partido oferecendo-lhe uma bala de morango. Dois meses depois sua vida já estava completamente recontruída, e ela tinha aroma silvestre. Aquele era o príncipe encantado com quem sempre sonhara. Deliciava-se com o beijo, o toque e o tal gosto de fruta. Comprava caixas e mais caixas da guloseima só para matar a saudade.

O doce amargou depois de um tempo. E ela se tornou cítrica. Foi para o bar, pediu uma cerveja e ao som do bom e velho Doors decidiu matar a vontade de um crivo colocando um chiclé na boca. Catou pelo escuro da bolsa vermelha e rapidamente localizou. Ao entrar em contato com sua língua, o gosto de morango dominou a àrea.

-filho da puta, da ultima vez que nos vimos guardou suas coisas em minha bosa e esqueceu de pegar.


O gosto de morango era mais forte que sua vontade de esquecer o passado. Mas agora era tarde, mascou até o fim, trocou pelo outro sabor e tratou de procurar um alguém para lhe acompanhar. Em muitos anos foi a primeira vez que não sentiu nada ao beijar alguém, nem ao menos gosto. E assim ao chegar casa decidiu que não estava "azedinha e gostosa". Tomou um copo d'àgua e sonhou.

9 comentários:

Juliana.... disse...

O que falar sobre esse post? Não tenho o que fala, tu não deixou nenhum espacinho pro meu comentário! O que posso dizer é que não sou só eu que lembro de gostos, cheiros e bebidas. O que mais marca em um relacionamento são essas pequenas "besteiras" que passam despercebidas durante meses, mas te pegam de jeito as duas da manhã de um sábado, quando tudo o que tu quer fazer é esquecer.
E obrigada por me lembrar de nunca revirar a bolsa depois de um crivo, isso pode ser fatal! uahsauhsauihshaiouhas

Beijos, flor! Adorei o texto!

Juliana.... disse...

Ou melhor, nunca revirar a bolsa depois de ter vontade de um crivo! auishauishiauhsiuahua

O Profeta disse...

De pequena poça fiz um universo
Feito de sete estrelas do mar
Murmurou-me um búzio ao ouvido
O rumo para te encontrar


Boa semana


Mágico beijo

Raquel disse...

Esses gostos que povoam nossa memória. Para competir com eles, somente os cheiros, os odores que chegama causar náuseas às vezes. Suas repercussões são proporcionais às dimensões dos fatos que vivemos um dia. Malditos com gilós disfarçados de morangos, sempre vão haver.

Morangos mofados...

Maldito disse...

Nossa Gabi,...Muito, muito excelente mesmo,...adorei,...
Como a minha mente trabalha de um modo diferente, me lembrei de quando era pequeno (a muito, muito tempo atras) e minha mãe falava para não aceitar balars na porta da escola porque poderiam conter drogas,...Aff! Lenda Urbana,...até hoje nunca fiquei chapado com nenhuma Halls,...decepção,...

Obrigado por ter linkado o "DpM",... a APAM agradece,...

MAs fiquei sem saber o que diz dizer com "...ao lado do Menestrel!"

Bjs

Renato Alt disse...

Ah, os sabores, os cheiros, as lembranças: inconfundíveis em sua intensidade, em sua presença. Descrever um pacote de drops como um álbum de fotograficas foi um movimento sublime, menina. Parabéns...
Beijos...

MH disse...

Essa industria de balas fica inventando novos sabores e destruindo antigos amores.
Aff.
Eu gosto de canela...

Clara Campelo disse...

muito bommmm! adorei! :}

Luan Iglesias disse...

Querida, Gabi. Os morangos da vida sempre caem. Gostei da sua expressão textual. Voltarei mais vezes...

Um beijo sem sabores.